A mulher só foi autorizada a ocupar uma instituição de ensino superior no Brasil em 1881, após um decreto imperial. Naquele mesmo ano, houve a primeira matrícula feminina no país, na faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Seis anos depois, em 1887, a primeira mulher do país conquistou um diploma. E ela era da Bahia: Rita Lobato, formada pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Historicamente excluídas do ensino superior, o chamado “sexo frágil” conseguiu reverter esse cenário de inequidade.
“A mulher é dotada de capacidade para atuar em qualquer área que deseje. Fico com o coração alegre em saber que, ao menos na Bahia, elas reverteram o cenário de exclusão no ensino superior.” Júnior Borges
Pelo menos, na Bahia. Elas são 51,8% do corpo docente nas universidades baianas. Dos 21.542 professores universitários, 11.168 são mulheres. O percentual é maior que a média nacional, de 46,8%. Os dados são de 2019 e se referem à segunda edição da pesquisa Estatísticas de Gênero: Indicadores Sociais das Mulheres no Brasil, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada nesta quinta-feira. O número cresceu ao longo dos anos, ainda que de forma modesta.
Em 2015, 51% dos professores das universidades baianas eram mulheres. Em 2003, primeiro ano da pesquisa, a porcentagem era de 47,3%. O crescimento foi de pouco mais de 9,5% nos últimos 16 anos. Na Ufba, a faculdade que mais tem professoras mulheres é, atualmente, a de Medicina. No total do corpo acadêmico da universidade, são 50,5% de mulheres contra 49,5% de homens nas salas.
Mas nem sempre foi assim. A epidemiologista Lorene Pinto, 63, que se aposentou da Ufba em 2019, acompanhou essa transformação. Ela entrou para o corpo docente em 1987 e foi a primeira mulher, em 203 anos da instituição, a ser diretora da Fameb, em 2011. Até hoje, foi a única a ocupar o cargo: “As mulheres vão cavando seu espaço, nada é dado. E isso vai formando uma nova geração de docência”.
Lorene lembra que quando foi contratada como professora, a sala de aula era muito homogênea – homens, brancos, de classe média alta. “Passei quase 20 anos recebendo alunos das mesmas famílias, das mesmas escolas. Era quase uma capitania hereditária. Sempre fiz a defesa da diversidade em todos os cursos. Democratizar o acesso é muito importante, porque traz riqueza para dentro do curso. Quando os estudantes são de vários lugares diferentes, essa diversidade alimenta o espaço”, diz ela, que tenta, agora, convencer outras colegas a ocuparem o cargo.
No Instituto de Saúde Coletiva (ISC/Ufba), o corpo docente tem mais de 70% de mulheres. Elas somam 39 dos 53 professores. Coincidência ou não, o ISC é exemplar em competência: o programa de pós-graduação é recorde em produtividade e tem a nota máxima na avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Somente duas outras faculdades no Brasil alcançaram o ranking: a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Rio Grande do Sul.
“É o maior percentual de mulheres, nos 25 anos do Instituto. São mulheres extremamente produtivas, todas doutoras, temos pesquisadoras no CNPq, com uma produção grande de artigos. Essa nota máxima se repete há 10 anos”, orgulha-se a diretora do ISC, Isabela Cardoso, 57. Na área da saúde, ela comenta que a presença do sexo feminino no cargo de professor é mais forte.
Segundo ela, a igualdade de gênero deve abarcar todas os campos de ensino, como forma de justiça social, já que elas são maioria na população: “Ainda temos muito para trilhar nessa busca para combater as desigualdades, e essa é uma luta de todas nós”.
Apesar de elogiar o número crescente da inserção de professoras em universidades, a secretária de Políticas para Mulheres da Bahia, Julieta Palmeira, questiona se elas ocupam de fato lugares de poder e decisão nesses espaços. “Esse percentual nos deixa orgulhosas, é uma conquista. Mas, ainda existe a desigualdade de gênero, por exemplo, na área de pesquisa, elas não têm a direção de grupos de pesquisa e não estão nos postos de decisão das universidades, como diretoras”, pontua Julieta.
A pesquisa do IBGE apontou ainda que a Bahia é um dos estados do Brasil com maior participação de mulheres na força policial. Elas somam 14,6% do efetivo ativo das polícias Militar e Civil – 78.221 dos 534.151 policiais dessas corporações. Somando-se os efetivos das polícias Militar e Civil, em 2019, 18,6% eram mulheres (7.231 do total de 38.976 policiais), o quatro maior percentual entre os estados.
Mulher ainda tem desvantagem no mercado de trabalho
Outros dados revelados pela pesquisa não foram tão animadores. O indicador sobre o mercado de trabalho na Bahia, por exemplo, revelou uma histórica desvantagem das mulheres em relação aos homens: somente 36,2% ocupavam cargos de gerência. A proporção é a 9ª menor entre as 27 unidades federativas.
Porém, houve um pequeno aumento no índice em relação a 2018, quando o percentual estava em 35,9%; e em relação a 2012, quando elas eram 33,9% gerindo negócios. No geral, elas ainda são minoria nos postos de trabalho (43%). A pesquisa não compara os mesmos cargos de trabalho, e sim o rendimento médio.
Para a secretária Julieta Palmeira, o que se esconde atrás desses dados é o machismo e as relações patriarcais: “A principal questão são essas relações de dominação, onde se busca a subalternidade da mulher. Existe a noção de que a mulher não pode ser a chefa de família e de que o homem é o provedor. Mas muitas delas são chefas de família e criam seus filhos sozinhas”.
A fim de melhorar essa equidade de gênero, a secretária municipal de Políticas para Mulheres, Infância e Juventude, Fernanda Lordelo, acredita que o caminho é investir em políticas públicas. “Gradualmente, através de ações afirmativas e movimentos políticos e sociais, podemos melhorar esta condição. Toda esta estrutura foi sedimentada em escolhas feitas a partir da construção social dos gêneros e das experiências impostas a homens e mulheres, desde a tenra infância. A educação precisa ser adaptada à realidade de igualdade de gênero. A menina não deve brincar apenas com bonecas ou de casinha. Ela pode construir casas e dirigir trator, por exemplo”, defende.
A secretária cita que uma parte importante nessa transformação é a inclusão dos homens como aliados: “Considero muito importante ter os homens nesse movimento. E com isso, não posso deixar de destacar a iniciativa do prefeito Bruno Reis de gerar maior paridade de gênero no seu grupo de secretários. Ele demostrou como é possível inserir mulheres em papel de liderança, fortalecendo e estimulando muito o olhar sobre a mulher que tem capacidade de gerir, de participar efetivamente de decisões”.
Outros dados da pesquisa
A Bahia tem o quinto menor percentual de parlamentares do Brasil: 7,7%. O estado tem apenas 3 mulheres entre os 39 deputados federais. Em 2020, 14,8% dos deputados federais em exercício no país eram mulheres (76 de 513). A participação brasileira era a menor da América do Sul e a 142ª em um ranking de 190 países que informaram esses dados à Inter-Parliamentary Union (União Interparlamentar ou IPU, na sigla em inglês). No ano passado, Amazonas, Maranhão e Sergipe não tinham nenhuma representação feminina na Câmara dos Deputados. Não é que não haja mulheres candidatas ao Parlamento. Nas eleições de 2018, elas foram quase um terço das pessoas que concorreram à Câmara dos Deputados pela Bahia (164 dos 503 candidatos).
Em 2019, taxa de desemprego feminina (19,6%) foi bem maior que a masculina (13,3%). A taxa geral na Bahia ficou em 17,2%. A maior diferença foi entre as mulheres pretas ou pardas: 20,4%, frente a 15,9% entre as brancas. Ou seja, uma em cada cinco mulheres pretas ou pardas que estavam na força de trabalho procuravam uma ocupação e não encontravam.
As mulheres gastam 20,9 horas semanais em trabalho não remunerado, como atividades domésticas. Já os homens gastam 9,9 horas por semana. Esse é um indicador que praticamente não mudou ao longo da série histórica disponível na PNADC, iniciada em 2016. A pesquisa aponta que a presença de crianças pequenas em casa faz proporção de mulheres que trabalham cair a menos da metade nas regiões Norte (48,3%) e Nordeste (44,4%) do país e impacta mais as mulheres pretas ou pardas. Menos da metade delas, nessa situação, trabalhavam em 2019, no país (49,7%), frente a 62,6% das brancas na mesma condição.
Na Bahia, quase 3 em cada 10 homicídios de mulheres registrados em 2018 ocorreram em casa (28,3%). O fator racial também pesou nesse indicador: 84,3% das vítimas eram pretas ou pardas. Esse indicador funciona como uma aproximação do crime de feminicídio. Das 427 homicídios femininos registrados em 2018, 369 foram de pretas ou pardas: 86,4% ou perto de 9 em cada 10.
Fonte: Jornal Correio
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