Pianista baiana Aline Falcão traz mistura de sonoridades em primeiro projeto solo

“Eu nem gosto de andar sozinha, eu gosto de fazer música junto, essa sensação é muito importante para mim”. É assim que a pianista Aline Falcão diz como faz e sempre busca fazer suas composições. E não foi diferente com o primeiro projeto solo da carreira Mais De Um Bilhão De Noites, single e clipe lançados recentemente pelas principais plataformas de streaming e canal de YouTube da artista.

Evidenciando o companheirismo, a música, originalmente criada para o piano, foi adaptada para um quinteto. Responsável pelo piano e harpa, Aline é acompanhada pela violoncelista Laís Tavares, a paisagem eletrônica de Neila Kadhí e por Gabriela Rêgo no oboé. A composição ainda se destaca com a produção majoritariamente feminina.

Inspirada por uma frase dita pelo neurocientista Sidarta Ribeiro, Mais De Um Bilhão de Noites é apresentada como um convite para um mergulho interior e encontrar novos caminhos dentro de si. Especialista em sono, Sidarta falou em entrevista sobre o impacto da eletricidade nos últimos 150 anos da humanidade, como a luz e a velocidade do que acontece à nossa volta. Isso teria afetado o momento de descanso e a conexão com nossos ancestrais, que acontecem através do sonho.

“Acho que me inspirei nisso porque a gente tá passando por um colapso global, por causa do coronavírus, vários desequilíbrios e eu me pergunto para onde é que a gente vai e o que vamos fazer. Então a composição é isso, foca nessa reconexão com a própria noite e a possibilidade de sonhar, de fechar os olhos e poder enxergar isso tudo dentro da gente mesmo”, conta Aline.

Além da sonoridade, com uma mistura de instrumentos influenciada pelo músico japonês Ryuichi Sakamoto, o clipe também traz aspectos da arte desenvolvida pelo compositor. Para a pianista, as canções dele se convertem em imagem. Utilizando a técnica da rotoscopia, que transforma um quadro de filmagem em animação, o vídeo de Mais De Um Bilhão De Noites traz Aline no piano e imersa nas águas do mar, que representa a natureza e a vastidão do inconsciente.

“O desenho da baleia que sonha e voa, vai pro céu, acho que talvez a gente tenha que resgatar o contato com nossa própria alma. O mar também tem tudo a ver com o feminino, com ser mulher: a conexão com a lua, o céu, o mistério e a conexão do cosmo”, explica a instrumentista sobre a concepção audiovisual.

Primeiros dedilhados

O piano é como uma parte do próprio corpo de Aline Falcão, que começou a tocar com apenas cinco anos. Soteropolitana, filha de um maestro com uma cantora, ela e seus dois irmãos cresceram em volta da música.

Enquanto a irmã trabalha na área de educação musical para o público infantil, o irmão é percussionista no NEOJIBA, lugar onde se empenhou por oito anos, após a formação em piano pela Ufba em 2008.

No NEOJIBA (Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia), a pianista participou da criação da Orquestra Juvenil da Bahia, que proporcionou ao programa uma visibilidade nacional e internacional.

“Lá eu pude fazer a conexão com a regência, tanto de orquestras quanto de corais, de grupos pequenos e de corda, além do trabalho com a educação, porque o lema do NEOJIBA é que você ensinando o que sabe aprende muito mais. Existe essa ideia de multiplicação e acabei aprendendo coisas administrativas em relação a coordenação de orquestras e organizar os ensaios. Foi uma experiência bem ampla e é muito bom ver como a prática musical pode ser transformadora socialmente falando. Abre novos caminhos”, conta Falcão.

Tanto Laís Tavares quanto Gabriela Rêgo, que estão neste novo projeto solo, foram colegas de orquestra da artista. Além dos encontros proporcionados, foi em uma das salas do Parque do Queimado, sede atual do NEOJIBA, que Aline gravou Mais De Um Bilhão de Noites. Todos os instrumentos foram captados no microfone, trazendo uma sonoridade acústica. Segundo a multi-instrumentista, a atuação do produtor musical Sebastian Notini na captação, mixagem e masterização foi fundamental para o resultado.

“Foi legal ter essa presença dele no meu projeto, ele é um grande músico, muito sensível. Como ele toca percussão, saxofone, também tem esse lugar de conexão, de entendimento, de o que você quer, qual a linguagem, ele trouxe referências sonoras para mim e essa troca é importante”, reconhece a pianista.

Para Sebastian, além de participar do primeiro projeto solo da artista, a experiência de ser minoria masculina pela primeira vez em uma produção foi marcante. “A gente fez tudo ao vivo, gravamos numa sala ampla e isso é difícil de fazer. A própria mixagem foi feita na hora e depois terminamos no meu estúdio, com Aline sempre acompanhando todo o processo. Acho o trabalho bastante pessoal e reflete muito a sua personalidade, a sensibilidade dela é algo fora do normal”, afirma.

Novos caminhos

Em 2015, com a saída do NEOJIBA, Aline estreitou conexões com artistas da MPB. Ela trabalhou com o cantor e compositor Ronei Jorge, com a cantora baiana Lívia Nery e com o grupo soteropolitano Pirombeira, que mistura o instrumental com ritmos regionais como baião, samba de roda e maracatu.

Em setembro do ano passado, a pianista voltou para Salvador após um ano e oito meses morando em São Paulo. A pandemia afetou não só a vida pessoal, ao regressar temporariamente para a casa dos pais, como também a profissional. A temática do novo lançamento surge junto ao processo de readaptação em uma nova realidade que exige mais criatividade no momento de criação.

“Em relação ao single em si, acho que foi um momento que acabou sendo oportuno, porque eu acabei voltando para minha terra e consegui, a partir do edital da Lei Aldir Blanc fazer esse projeto junto com uma equipe maravilhosa. É bem simbólico, porque nesse movimento de volta, de repente eu também lanço um single que aponta para o retorno à ancestralidade, a busca da memória”, compreende Aline.

Sobre o tema de Mais De Um Bilhão De Anos, o sonho dela é a retomada da nossa conexão com a natureza. A instrumentista acredita que o desequilíbrio que vivenciamos atualmente pode ser vencido através da escuta atenta aos povos indígenas.

“Eles que tem a ciência com uma noção de coletividade e de entender sua individualidade, porque sem ela também você não consegue se encontrar em lugar nenhum. Então eu acho que é ter um pouco mais de noção de quem você é, pra isso aumentar também sua noção do coletivo. E isso é muito urgente”, acredita.

Fonte: A Tarde

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