Quando se inscreveram no programa Mais Médicos, do governo federal, os médicos brasileiros já sabiam que a carga horária era de 40 horas, que a estrutura dos postos de saúde não era das melhores, que o valor da remuneração era de R$ 10 mil e que muitos iriam ter que trabalhar em lugares afastados dos centros urbanos.
Mesmo assim, foram esses os argumentos que a maioria deles utilizou para, após se inscreverem e participarem das reuniões, desistir da vaga. Em Salvador, dos 32 médicos brasileiros inscritos, 21 compareceram ao “acolhimento” (primeira recepção do programa), cinco já desistiram formalmente da vaga e outros cinco ainda não apareceram, mas têm até sexta-feira para confirmar a participação.
Entre os que desistiram, a jovem Clarissa Oliveira chegou a dar entrevista para o CORREIO, afirmando que, apesar de ter se inscrito, teria mudado de ideia ao ver os slides com fotos do posto que ficaria sob sua responsabilidade. No entanto, em sua página do Facebook, é possível ver postagens contra o programa desde o dia 25 de junho, data anterior a sua inscrição.
Pelo interior da Bahia, mais registros de sumiço entre os médicos. Em Vitória da Conquista, dos cinco profissionais designados a atender a cidade, apenas três compareceram. “Os outros dois alegaram problemas pessoais”, diz nota da Secretaria de Saúde da prefeitura, que solicitou mais seis médicos na segunda fase do programa.
Pelo resto do Brasil, mais doutores faltosos. Em Fortaleza, 11 dos 26 médicos brasileiros inscritos já desistiram da vaga. Segundo um levantamento feito pelo jornal O Globo, em pelo menos oito estados, médicos brasileiros inscritos no programa Mais Médicos faltaram, desistiram ou não se apresentaram nos locais de trabalho. O levantamento mostra que os profissionais alegaram doença — um deles chegou a assumir e, no dia seguinte, entrou com pedido de licença médica remunerada —, baixo salário e até carga horária alta.
No Rio de Janeiro, um dos médicos que desistiram chegou a dizer que “mesmo no interior, atendendo duas vezes por semana, cobrando R$ 60 a consulta, o médico já ganha muito mais”. O salário é de R$ 10 mil por mês.
Segundo o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, a quantidade de médicos faltosos e que desistiram justifica o acordo de cooperação internacional firmado com Cuba. Padilha disse ainda que, se houve boicote, foi uma “perversidade inimaginável”.
“Isso só revela um drama que os municípios e os estados têm cotidianamente quando fazem o processo de seleção, que é por conta do mercado extremamente aquecido.
Só reforça o diagnóstico que o Ministério da Saúde fez de que o Brasil tem um número insuficiente de médicos diante do mercado aquecido”, disse o ministro.
Exceções
Pouca iluminação, teto baixo, consultórios apertados e separados por divisórias quebradas ou parcialmente comidas por cupins, refeitório improvisado, estrutura comprometida, sucata de equipamentos. O cenário da área de atendimento do posto de saúde de Beira Mangue, no Subúrbio Ferroviário, parece assustador. Mas, ainda assim, há quem queira trabalhar lá.
“O objetivo aqui é prestar atenção básica à saúde da família. Os procedimentos de alta complexidade são encaminhados para hospitais. O foco aqui é a medicina preventiva”, diz a médica generalista Renata Farias, que agora atua na unidade através do programa Mais Médicos, mas já trabalhava no posto há dois anos.
Ela optou por migrar do vínculo que tinha com a prefeitura para o programa do governo federal, trabalhando um dia a mais e ganhando mais também. No posto, em média, são 28 pacientes atendidos por ela diariamente.
A assessoria de imprensa da SMS salienta que todas as unidades que estão recebendo profissionais do Mais Médicos estão automaticamente inscritas no Requalifica SUS, programa do governo que pretende equipar e reformar todos os postos de atendimento.
Segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), 16 profissionais do Mais Médicos já estão atendendo a 14 unidades de saúde no Subúrbio Ferroviário, São Caetano, Valéria, Cajazeiras e Pau da Lima.
Correio
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