A proposta para o Orçamento de 2016 entregue ontem pelo governo ao Congresso prevê aumento de R$ 104,8 bilhões na despesa total enquanto a receita deverá crescer R$ 76,5 bilhões, o que resultará em um rombo de R$ 30,5 bilhões, o equivalente a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB). A falta de cortes mais drásticos nos gastos, segundo analistas, elevou o risco do rebaixamento do país, ameaça que puxou o dólar para cima e derrubou a bolsa de valores.
Apesar de desistir da volta da CPMF, o governo pretende ampliar a arrecadação em mais R$ 11,2 bilhões com aumento de impostos e obter R$ 37,3 bilhões com a venda de ativos, como imóveis e participações acionárias, além de concessões na área de infraestrutura. Nem assim, o país conseguirá sair do vermelho. Ao que tudo indica, serão três anos seguidos de deficit fiscal, fato inédito desde 1997, quando o país optou por buscar o equilíbrio das contas públicas.
A peça orçamentária foi entregue ao Congresso pelos ministros Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento). Logo depois, a presidente Dilma Rousseff se reuniu com deputados da base aliada para pedir apoio ao projeto, sobretudo na busca de receitas que possam reverter o rombo. Os números são preocupantes. Com deficit, a dívida bruta, que pode ser determinante para que o país perca o selo de bom pagador, subirá de 65,5% do PIB neste ano para 68,4% em 2016 e para 68,8% em 2017.
É a primeira vez na história que o governo entrega um Orçamento prevendo deficit. Para o jurista Ives Gandra Martins, nesses termos, a proposta fere os artigos 165 a 169 da Constituição. “Teria que haver cortes para que o Orçamento fosse equilibrado”, destacou. Já para José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV) e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) não proíbe que a proposta orçamentária apresente deficit primário.
Barbosa saiu em defesa do governo e negou que haja irregularidade no envio, ao Congresso, de uma proposta orçamentária que preveja deficit fiscal. “A Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece que você tem que mandar o Orçamento como uma meta, não estabelece se tem de ser positivo ou negativo. Por isso, não há problema em uma meta negativa”, enfatizou. No entender dele, entregar um Orçamento com um rombo passa uma imagem realista para o mercado financeiro. “É um orçamento realista, e há soluções para enfrentar esse deficit”, frisou.
Desprestigiado no governo, o vice-presidente da República, Michel Temer, em um seminário em São Paulo, criticou o aumento de impostos, ao fazer uma referência à tentativa do Planalto de recriar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). “Ninguém quer carga tributária mais elevada. Ninguém suporta mais isso”, disse. “A sociedade vai aplaudir se os gastos forem cortados, mas a volta da CPMF, a sociedade não aplaude”, completou.
Segundo o ministro do Planejamento, as ações para enfrentar o buraco de R$ 30,5 bilhões passam pelos gastos, que têm 90% de caráter obrigatório ou semi-obrigatório. “A redução das despesas envolve medidas legais que precisam ser enviadas ao Congresso. Em paralelo a esse Orçamento, temos ações para construir reformas de longo prazo, políticas de longo prazo, para controlar os principais gastos da União, assegurou, ressaltando que é possível controlar esses gastos e, ainda assim, atender às demandas da população.
Barbosa destacou ainda que a proposta orçamentária prevê deficit primário do setor público consolidado seja negativo em 0,34% do PIB em 2016. Como o deficit projetado para a União é de 0,5%, o projeto encaminhado ao Congresso embute expectativa de saldo positivo de estados e municípios. Para 2017, a projeção é de um superavit primário de 1,3% do PIB e, para os dois anos seguintes, de 2% do PIB a cada exercício.
Pode piorar
Apesar do discurso de Barbosa e Levy, a reação dos especialistas foi ruim. Para o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, o governo “conseguiu piorar o que estava ruim” e, por conta disso, a perda do grau de investimento do país será inevitável. “Isso causa preocupação, porque não é o protocolo. A dúvida agora é se o deficit será apenas de R$ 30,5 bilhões. É bem provável que seja bem maior do que isso”, destacou.
Questionado sobre o risco de rebaixamento, Barbosa disse que o importante é ter um orçamento realista e tomar as medidas necessárias. “Temos uma situação fiscal mais difícil neste ano e no próximo, mas as condições não mudaram. Continuamos um país com grande potencial de desenvolvimento”, afirmou. A proposta é “transparente e provoca reflexão, no momento em que o Brasil enfrenta uma mudança significativa do ambiente econômico”, completou Levy, que demonstrou bastante desconforto durante o anúncio, já que tinha um compromisso em São Paulo e teve que obedecer a presidente Dilma e participar da entrevista ao lado do titular do Planejamento.
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