São Paulo – Em janeiro de 2015, o governo declarou guerra à “máfia das próteses”. O objetivo era combater um esquema fraudulento que envolvia fabricantes, hospitais, médicos e advogados na compra irregular desses aparelhos, que substituem partes do corpo ou são implantados para garantir o funcionamento de um órgão — como uma prótese ortopédica ou um marcapasso para o coração.
Nesse mercado, o médico solicita uma prótese, o hospital compra e depois é reembolsado pelo governo ou pelo plano de saúde. Há casos de médicos que recebiam dinheiro para indicar determinada marca e aparelhos com sobrepreço de até 800%. Para combater o esquema, o governo tem buscado promover a transparência no setor e punir os culpados pelas falcatruas.
Até aí, nada mais justo. O problema é que, mais uma vez, o governo cogita lançar mão de uma política que já causou danos demais ao país: o controle de preços.
Com a presidente Dilma Rousseff acuada pelo processo de impeachment, não se sabe até quando ela conseguirá preservar o cargo. Mas uma coisa é certa: Dilma deixará uma marca de intromissão nos mercados difícil de apagar. Em seis anos, a presidente mexeu na dinâmica dos mais diversos setores, desde energia elétrica até combustíveis.
O caso das próteses é mais um para sua lista. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), um grupo de trabalho — formado pelos ministérios da Saúde, da Fazenda e da Justiça e que funcionou em 2015 — defendeu a fixação de um teto para o valor de venda das próteses, assim como ocorre com os medicamentos.
O Tribunal de Contas da União deu 60 dias, a partir de março, para a Anvisa apresentar um plano de regulação desse mercado. Procurada por EXAME, a Anvisa declarou que aguarda uma decisão final do governo sobre o tema.
A ideia de estabelecer um preço-limite para as próteses preocupa o setor. Segundo a Abimed, associação que reúne fabricantes de produtos para saúde, se o preço determinado for muito baixo, alguns dispositivos vão sumir do mercado. “Poderíamos também barrar novos lançamentos. Seriam menos 30 produtos por ano para o país”, diz Oscar Porto, vice-presidente da americana Medtronic, fabricante de equipamentos médicos.
Foi isso o que ocorreu no Japão. O país asiático adota um preço máximo defasado e, por isso, tem acesso a apenas metade dos aparelhos mais modernos produzidos nos Estados Unidos. Os planos de saúde também rechaçam o controle. De acordo com a Abramge, que representa os planos, os preços tenderiam a ficar no teto e não absorveriam os ganhos de produtividade ou a queda nas cotações dos insumos, além de desestimular a inovação.
O pessimismo das empresas não é à toa. A administração Dilma já interveio em mercados, mexeu em preços, desorganizou setores inteiros e causou prejuízos bilionários. O caso mais notório foi no setor de energia elétrica, Uma medida provisória de 2012 determinou que as geradoras que renovassem sua concessão de forma antecipada teriam de cortar suas tarifas em 20%.
As grandes geradoras estaduais — a paulista Cesp, a mineira Cemig e a paranaense Copel — não aceitaram a proposta do governo federal. Com isso, a oferta de energia diminuiu. Para garantir o fornecimento, as distribuidoras tiveram de recorrer ao mercado de energia de curto prazo, cujos preços são mais altos.
Segundo a consultoria Thymos, a bagunça trouxe uma conta de 67 bilhões de reais aos geradores, distribuidores e consumidores. Outro setor que sofreu com a intromissão do governo foi o de combustíveis. De 2011 a 2014, o governo pressionou a Petrobras a vender aqui combustível mais barato do que no exterior.
Resultado: a estatal perdeu 70 bilhões de reais e agravou sua saúde financeira. O desastre respingou no mercado de etanol, cujo preço é atrelado ao da gasolina. De acordo com a Unica, associação das produtoras de açúcar e etanol, 85 empresas fecharam em três anos e, hoje, as dívidas do setor chegam a 100 bilhões de reais.
Com tantos efeitos negativos, por que os governos insistem em controlar os preços? Um dos motivos é o lobby de grupos fortemente organizados. Em novembro de 2015, durante uma greve em 14 estados, os caminhoneiros queimaram pneus, bloquearam estradas e dificultaram o abastecimento das cidades. Na época, tramitava no Congresso uma proposta para regulamentar a atividade.
Sob pressão, Dilma sancionou sem vetos a nova lei. Um dos dispositivos estabelece que quem contrata um frete deve pagar, no mínimo, 1,38 real por tonelada por hora quando a atividade de carga e descarga ultrapassar 5 horas. O governo impôs ao mercado um valor, que antes era negociado entre as partes, sem considerar suas particularidades. Cálculos da Abiove, associação das esmagadoras e exportadoras de óleo vegetal, mostram que cada hora excedente do caminhoneiro ficou três vezes mais cara, o que aumenta os custos do agronegócio.
Em alguns casos, o controle de preços é adotado em nome de uma lógica social: assegurar que produtos essenciais, como água e remédios, sejam baratos. Movida muitas vezes por pura demagogia, essa prática tem um corolário indesejável: a concessão de subsídios para segurar artificialmente os preços. Como se sabe, a conta dos subsídios sempre sobra para alguém — o contribuinte.
Além disso, é difícil o governo ser mais eficiente do que o próprio mercado. O Reino Unido controlou o preço dos aluguéis de imóveis de 1918 a 1989. Com o tempo, os proprietários deixaram de colocar casas para locação, pois os valores se tornaram pouco atraentes. A oferta caiu drasticamente e só voltou a subir depois que o governo liberou o valor do aluguel nos anos 90.
No Brasil, um quarto dos preços que entram na apuração do IPCA, índice oficial da inflação, é atualmente controlado. “Nos últimos anos, aumentou o uso do controle de preços para segurar a inflação”, diz o economista Márcio Milan, da consultoria Tendências.
O Brasil parece não ter aprendido com as lições do passado. Na década de 80, o governo tabelou preços para conter a inflação e viu sumir muitos produtos das prateleiras. Hoje, a Venezuela de Nicolás Maduro é um exemplo do risco dessa política. Por lá, faltam itens básicos, como arroz, fralda e até papel higiênico. O remédio, nesse caso, se torna pior do que a doença.
Fonte: Revista Exame
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