Com o suspense gerado pela prisão do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a Câmara inicia hoje a votação do segundo turno da Emenda Constitucional que limita o teto de gastos à inflação do ano anterior. A ideia do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) é votar, à tarde, os destaques que restam no projeto do pré-sal, e abrir a discussão do teto de gastos, para que a matéria seja votada em definitivo amanhã. Para fidelizar ainda mais a base aliada, Maia oferecerá um coquetel para quase 400 deputados na residência oficial da Câmara.
Repetirá o que o presidente Michel Temer fez no primeiro turno, quando ofereceu um jantar no Palácio da Alvorada na véspera da votação, garantiu quorum em plenário na segunda-feira e viu a matéria ser aprovada por 366 votos — 58 a mais do que o mínimo necessário para mudanças constitucionais. O resultado Temer, que, tão logo voltou do Japão, reuniu seus ministros políticos — Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) e Eliseu Padilha (Casa Civil) — ligou para alguns líderes aliados e pediu empenho na votação desta semana. Um gesto político explícito para tentar exorcizar o fantasma de Cunha dos corredores do Legislativo.
Saúde
Temer sabe que precisará de uma boa dose de fidelidade para aprovar as reformas que propôs para tirar o país do atoleiro econômico. “O teto de gastos é algo bem mais palatável. Apesar das dificuldades de explicar as questões da saúde e da educação, ver o governo impondo um limite para a própria gastança é razoável. O duro vai ser quando começar o debate de matérias que envolvam retirada de direitos”, afirmou o diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto de Queiroz.
Levantamento feito pela consultoria Arko Advice mostra que o governo atual, contando o tempo de interinidade, tem uma média de fidelidade de 54,66% nas votações. Além do primeiro turno do teto de gastos, Temer já aprovou a prorrogação até 2023 da Desvinculação dos Recursos da União (DRU) e a mudança na meta de superavit, ampliando o deficit do país para R$ 170 bilhões. É uma média expressiva, que se aproxima bastante dos resultados obtidos pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
No primeiro mandato, o petista conseguiu uma média de 55,78% de votos da base de sustentação no governo federal. Lula tinha acabado de ser eleito presidente e, logo no início de seu governo, encaminhou ao Congresso as propostas da Reforma da Previdência e Reforma Tributária. A primeira avançou lentamente e o resultado obtido mais expressivo foi a taxação de 11% dos servidores inativos. No segundo mandato, o desempenho do petista foi um pouco pior: 51,18% de fidelidade. Em 2007, primeiro ano após ser reeleito, Lula sofreu aquela que foi considerada sua pior derrota: o Senado derrubou a prorrogação da CPMF.
Temer, até o momento, e Lula, em seus oito anos de poder, têm desempenho muito superior aos obtidos pela ex-presidente Dilma Rousseff. A petista, que acabou perdendo o cargo num processo de impeachment em agosto, um corolário do desgaste na relação com o Legislativo, jamais conseguiu obter um apoio médio de 50% de sua base parlamentar. Entre 2011 e 2014 (primeiro mandato no Planalto), o desempenho foi de 48,12% de aprovação. De janeiro de 2015 até seu afastamento, em maio deste ano, o desempenho foi ligeiramente melhor: 48,72% de fidelidade.
Emendas
“É bom lembrar também que uma das poucas emendas constitucionais apresentadas pela ex-presidente Dilma foi a prorrogação da DRU, em 2011”, lembrou o cientista político e consultor da Arko Advice, Cristiano Noronha. “Todas as mudanças do ajuste fiscal enviado por Dilma ao Congresso, no segundo semestre, foram infraconstitucionais, por meio de projetos de lei e medidas provisórias”, acrescentou Noronha.
Por esse ponto de vista, é correto afirmar que Lula, e, até o momento, Temer — levando-se em conta que, além da Previdência, ainda não está completamente descartada a reforma trabalhista — testaram com mais intensidade a fidelidade da base aliada. Isso tem a ver com a disposição e a habilidade política, comparando-se à total falta de tato e paciência que Dilma nutria pela atividade de convencimento de parlamentares. “Temer e Lula já foram parlamentares, sabem que é importante agradar os aliados. Quem não gosta de ser reconhecido pelo trabalho que faz”?, indagou o líder do PTB na Câmara, Jovair Arantes (GO).
“Ver o governo impondo um limite para a própria gastança é razoável. O duro vai ser quando começar o debate de matérias que envolvam retirada de direitos”
Antônio Augusto de Queiroz, diretor de documentação do Diap
Do mero limite às reformas
O professor de ciência política do Insper Carlos Melo acha que o problema de Dilma Rousseff em relação à fidelidade da base e à forma como ela encaminhou as votações no Congresso não foi, apenas, a famosa falta de paciência para conversar com políticos e discutir política. “Ela já estava no terceiro modelo de governo de coalizão, montado por Lula em 2003. Os cargos já estavam todos preenchidos e ela ainda precisava de apoio. Por isso, escolheu caminhos mais simples de tramitação de matérias congressuais, sem a necessidade de quorum qualificado”, apostou Melo.
As coisas poderiam ter dado certo se Antonio Palocci tivesse permanecido na Casa Civil, cargo que assumiu em janeiro de 2011, após ser um dos coordenadores da campanha petista ao Planalto. Mas Palocci durou menos de seis meses no cargo, Dilma colocou a senadora Gleisi Hoffmanm em seu lugar e se isolou cada vez mais na tomada de decisões, avaliou o professor do Insper.
Isso não isenta, na visão de Melo, a inapetência política da ex-presidente. “Ela herdou um governo com um crescimento do PIB na ordem de 7,5% deixado por Lula. O próprio Lula herdou um cenário sombrio em 2003. Mas Dilma entregou a Temer um país arrasado”, comparou o professor do Insper. Ele acredita que o atual presidente poderá, aos poucos, recompor essa fidelidade da base.
Mas não será pelos seus belos olhos ou pela capacidade de diálogo. “Tem um estoque de cargos que estavam ocupados pelo PT que agora estão liberados. Resta saber se Temer tentará implementar as reformas necessárias para o país ou se se contentará, apenas, com o limite no tetos de gastos, o que já dá um novo fôlego para a economia”, completou Melo. (PTL)
Fonte: Correio Braziliense
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