Baiana, a ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), afirma que o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) desrespeita propositadamente orientações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que cobram mais transparência e eficiência no Judiciário baiano. Ela lembra que desde sua passagem pela corregedoria do CNJ constatou-se a existência de varas com insuficiência de servidores de um lado e funcionários fantasmas e servidores com altos salários e sem função nos gabinetes dos desembargadores de outro – uma das muitas irregularidades que geraram agora sindicâncias contra a direção do Tribunal.
Eliana aponta ainda a troca de favores entre o governo do estado e a ‘igrejinha’ que domina o poder no TJ-BA. Eliana Calmon recebeu o CORREIO em seu apartamento, no Edifício Oceania, com vista para o Farol da Barra, e, em mais de uma hora de conversa, falou ainda sobre o desejo de ocupar cargo político na Bahia. Veja os principais tópicos da entrevista:
Inspeção do CNJ no TJ-BA
Há, por parte do TJ, o entendimento de que não deve cumprir determinações do CNJ, que ninguém deve se meter no tribunal. Muitas irregularidades eu já havia apontado, e o ministro Francisco Falcão (atual corregedor do CNJ) veio saber se tinham sido cumpridas as determinações. Viu que não foram, encontrou novas irregularidades e decidiu abrir sindicâncias. Os problemas são antigos. O ministro Gilson Dipp (corregedor entre 2008 a 2010) veio aqui e verificou que estava caótica a gestão do tribunal. Fiz recomendações e eu vim aqui cobrar duas vezes. Constatei que nada tinha sido feito: estava pior.
A população continuava sofrendo com falta de estrutura, faltando juízes e servidores, e eles diziam que não tinham recursos para fazer concurso. Essas situações não são novas.
Cálculo de precatórios que onerou o estado e prefeitura de Salvador em R$ 448 milhões
É uma gestão indevida, porque foram cálculos errados, feitos por ignorância, descaso, desprezo. Eu já tinha determinado que a Justiça Federal fornecesse os cálculos, eles têm tudo isso informatizado e ficou decidido que eles colaborariam, mas eles não buscaram ajuda. O que é corrupção? É ação ou inação. A inação é uma forma de corrupção. Eu não acho que seja uma corrupção ativa, que esse dinheiro tenha sido propositalmente dado a alguém. Acho que houve, porém, algumas facilidades de algumas pessoas favorecidas na fila, na ordem cronológica.
Funcionários fantasmas
Há muitos cargos em comissão nos gabinetes dos desembargadores, enquanto as varas, onde o atendimento é feito, estão vazias. Encontrei varas com um ou dois funcionários na própria capital. E um monte de funcionários fantasmas ou sem fazer nada no TJ, com altos salários e gratificações. Havia caso de funcionária que morava em São Paulo e não vinha aqui, com salários altos, de R$ 15 mil. É muito difícil investigar a Justiça da Bahia, porque há uma resistência muito grande. Eu pedi, mas não apresentaram as declarações de renda (de mais de mil servidores e juízes).
Política no TJ-BA
Na realidade, é uma política para nada, de domínio pessoal. O desembargador Dultra Cinta, que veio para substituir um grupo que era dominado pelo carlismo, terminou exercendo as mesmas práticas de domínio e deixou seguidores. Os desafetos não entram no tribunal, os desembargadores que não acompanham a igrejinha ficam em segundo plano. Isso é a prática diuturna de uma gestão viciada. A politica dentro da Justiça é para as pessoas se sentirem donas do tribunal.
Relação entre Judiciário e Executivo
Há uma vinculação muito grande do governador à presidência, ao grupo dominante, porque existe sempre a ideia de que o tribunal deve estar bem com o governo. Mas a Constituição de 88 acabou com isso. O Judiciário é fiscal das políticas públicas e pode se insurgir contra o governo quando as políticas não são adequadas. Existe na Bahia uma espécie de pacto onde o TJ está muito alinhado ao governador, o Ministério Público também tá alinhado ao governador e todos os poderes vivem tranquilamente dentro deste pacto silencioso que existe entre os poderes. Existem trocas de favores, existem algumas conivências. Existe o olhar mais apurado para as causas que os donos do poder têm interesse, e é exatamente isso que nós não gostaríamos que tivesse, que a Justiça fosse independente.
Reforma do Judiciário
A sociedade toda está indignada com a aposentadoria compulsória com proventos integrais de alguém que foi execrado pela Justiça. Eu não dou dois anos para a reforma acontecer, as ruas não gritaram ainda em razão do julgamento do mensalão e de Joaquim Barbosa. É o que está segurando o grito do povo contra o Judiciário, mas o povo não está satisfeito com os três poderes. Os magistrados querem reforma, mas sem perder benefícios, que eles chamam de prerrogativas. Os dias trabalhados de um magistrado são 162 dos 365 do ano. Ele tem dois meses de férias, vinte dias de recesso, tem os feriados, domingos e sábados. Isso não pode, não é prerrogativa: é falta de trabalho, em um órgão que está superlotado de trabalho, tem muito processo e não se julga porque não tem tempo, isso não se admite.
Novos tribunais federais
A criação dos tribunais regionais (o Congresso aprovou a criação de quatro – um na Bahia – mas o STF suspendeu a lei) é bom para os juízes. Todos querem porque fazem com que mais juízes ascendam aos tribunais, as carreiras deslancham. Os políticos também querem, porque é uma forma de colocar parentes e aderentes no tribunal. O tribunal da 5ª Região, em Recife, que atende a todo o Nordeste, está muito bem, não tem atrasos, cada gabinete tem 200 processos. E o que vai acontecer? Vão ficar ociosos com a criação do tribunal Bahia/Sergipe.
Reforma política
A questão mais controvertida é o financiamento de campanha. É esse o ovo da serpente. Talvez a melhor forma fosse o plebiscito, porque as pessoas opinariam. Agora, o plebiscito a toque de caixa, a um ano das eleições, seria deletério, porque não se faria algo bem feito. Infelizmente, vimos a perplexidade (dos políticos) em relação ao grito das ruas e ainda a forma que tentam enganar o povo. Na semana seguinte às passeatas, houve a utilização do aviação da FAB na cara do povo. O que significa que eles não vão mudar. O povo tem que fazer como o bulldog, morde e não solta, continua agarrado. A presidente Dilma está acuada. Ela tem uma questão de governabilidade muito séria, o estado está parado em termos de desenvolvimento, e ela é refém de um congresso que não é parceiro dela.
Carreira política
Eu ainda tenho responsabilidade com o Poder Judiciário (se aposenta em novembro de 2015). Tenho recebido muitos convites, dos mais diversos partidos, eu fico até vaidosa de cogitarem meu nome. Mas o que fico questionando é: será que eu seria uma boa política? Tenho muito receio de entrar para a política. Não descarto, mas não digo que aceitarei, principalmente nas próximas, mas ainda não tenho segurança. Não tenho predileção por partidos. Os partidos no Brasil não têm ideologia própria: aqui se vota em pessoas, não em partidos.
Medos
Dentro de um panorama que se delineia de partidos, de financiamento de campanha, tudo isso é muito difícil. Eu vivo do meu salário, tenho poucas economias: e o dinheiro para campanha? Eu serei financiada por alguém e esse alguém vai ser meu dono? Eu até agora não fui propriedade de ninguém. Tenho dito com toda a sinceridade isso aos partidos que me convidam.
Cargo político na Bahia
Eu tenho um carinho especial pela Bahia. Sou baiana, a minha família é toda da Bahia. Até meu neto, que nasceu em Brasília, gosta é da Bahia. É muito interessante observar como a gente vai se ligando a nossa terra, não é?
Correio
Foto: Arissom Marinho
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