O caminho para a recuperação da economia brasileira já começou a ser percorrido e passa, entre outros pontos, pela mudança radical na relação entre os setores público e privado – completamente transformada pela Operação Lava Jato.
A análise é do presidente da Arko Advice, Murillo de Aragão, especialista em prever riscos, antecipar tendências e desenhar estratégias institucionais de alto impacto. Segundo ele, os sinais de que o mercado está reagindo bem podem ser percebidos pela melhoria nos números de indicadores como câmbio, bolsa e investimentos, além do aumento da confiança do consumidor e da indústria.
Murillo de Aragão vai estar em Salvador no próximo dia 31 para ministrar a palestra Bahia Mais Competitiva, como parte do Fórum Agenda Bahia. O evento é realizado pelo jornal CORREIO e pela rádio CBN, em parceria com Braskem, Coelba e Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb).
Após o processo de impeachment, como o senhor analisa o cenário político brasileiro?
São várias dimensões que devemos considerar. Primeiro, o governo Temer deverá ter maior apoio, sem dúvida, do que teve a presidente Dilma no seu segundo mandato. Então, acredito que na arena política a situação possa andar com mais facilidade do que andava, em especial porque há um entendimento dos políticos da necessidade de tomar algumas medidas de cunho fiscal visando restabelecer a capacidade de gasto da União e dos estados. O segundo aspecto é a economia. Nesse sentido, o que se vê já é uma melhora nas expectativas porque há mais confiança no comando econômico da equipe de Temer do que havia antes com Dilma. Então, uma série de indicadores já apontam para esta melhoria: a bolsa, o comportamento do câmbio, o anúncio de alguns investimentos estrangeiros. O terceiro aspecto seria o social. Existe uma parte que sempre foi mobilizada, ainda que seja minoritária na sociedade, que apoia o PT e a Dilma. Com o encerramento do sonho do PT na Presidência da República, esses setores poderão ter vários tipos de atitude: ser mais agressivos na oposição ou até mesmo negociar com o governo.
Neste contexto, como você analisa, especificamente, o aspecto econômico?
Eu não tenho dúvida de que o cenário econômico está melhorando. Isso a gente pode identificar nos índices de confiança do consumidor, da indústria e em outros indicadores como a bolsa e o câmbio. No setor elétrico, por exemplo, as ações, desde o início do afastamento de Dilma, subiram mais de 100%. A gestão do setor sendo mais profissional, mais equilibrada, sem surpresas, traz mais confiança para o investidor. O mundo ainda tem muito dinheiro para investir em países como o Brasil, mas se esperava que o governo criasse menos dificuldades para o capital privado e espera que o governo tenha uma atitude consistente em relação a contratos e compromissos. Aí eu não vejo falta de dinheiro para investir no Brasil. Com horizonte e acreditando na qualidade da equipe econômica, bem como nos sinais que hoje apontam uma melhora no quadro fiscal do país, teremos muitos investimentos.
Essa retomada de confiança só vai ser possível se o governo Temer não for mais abalado pelos desdobramentos da Operação Lava Jato, como a troca de ministros e outras questões que terminam interferindo na economia?
É evidente que se a Operação Lava Jato em seus desdobramentos futuros fragilizar o núcleo duro do governo Temer, isso terá repercussões sérias nas expectativas econômicas. O que se espera de modo geral aqui é que, eventualmente, alguns do governo ou da base governista que é muito grande possam ser atingidos. Mas não se acredita que o governo será inviabilizado ou inviabilizado a ponto de que o núcleo econômico seja impossibilitado de exercer a sua notoriedade e seu comando na economia do país. Claro que terá alguma turbulência e pode abalar o clima no Congresso, em especial, quando os políticos começarem a ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal, mas, em princípio, há um desejo do próprio governo e do mundo político de separar as repercussões políticas da gestão econômica. Um segundo ponto é que a própria orientação do governo é de que quem vier será diferente do governo Dilma. Ou seja, a matriz econômica de Dilma quebrou. Faliu. Quebrou a Petrobras. Quebrou outras empresas estatais. Abalou profundamente a nossa credibilidade fiscal. Isso é hoje um consenso no mundo político. Então, qualquer pessoa que hoje assumir o poder terá uma visão muito mais cautelosa e pró-investimentos do que existia antes. Então, o que eu acredito é que, mesmo que existam turbulências, por conta da Lava Jato, os sinais de mudança estão consolidados e devem prevalecer. Com isso, as oportunidades do Brasil como lugar de investimentos continuarão a ser visíveis. Evidente que se os desdobramentos da Lava Jato não atingirem o governo vai ser tudo mais tranquilo.
O setor produtivo da Bahia reclama muito da falta de uma política de desenvolvimento regional e de maiores investimentos em infraestrutura no estado. De que forma o atual governo pode ajudar a resolver estes problemas?
A queda do desempenho da indústria baiana segue uma tendência nacional por conta de um processo de recessão que vem se arrastando por mais de um ano. Então, a gente ainda não conseguiu gerar um processo de ampla recuperação que comece a mudar esses indicadores de forma significativa. No entanto, eu acredito que a melhora do ambiente psicológico – até porque a economia tem muito a ver com psicologia, sobretudo quanto ao ato de investir – e essa melhora de ambiente, vejo que a médio prazo vamos passar por essa recuperação. No tocante à infraestrutura, o modelo que hoje se desenha em Brasília é de retomar as parcerias público-privadas, concessões mais amigáveis para os investidores com a intenção de buscar recursos privados no exterior e eu não tenho dúvida que existirão investidores dispostos a trabalhar essas questões que afetam a infraestrutura da Bahia, como portos e ferrovias, a partir de uma mudança no marco conceitual de concessões que hoje está sendo desenhado pelo ministro Moreira Franco e deverá ser apresentado em breve. O que nós vamos ter, sem dúvida, é uma mudança conceitual. Antes, essas empresas tinham consórcios liderados por empreiteiras como uma tendência. Provavelmente agora teremos um novo modelo, em que os consórcios serão liderados por investidores que contratarão as empreiteiras que irão prestar serviço para os projetos. Ou seja, essa mudança conceitual visa evitar os episódios que ocorreram e justificaram a Operação Lava Jato.
Essa mudança deve transformar totalmente a relação entre o público e o privado?
Eu considero que a Operação Lava Jato é um marco transformador radical nas relações entre o setor privado e o governo no Brasil. Tenho críticas à Lava Jato, mas não tenho dúvida de que a sua existência já mudou radicalmente a relação entre o setor privado, o governo, partidos políticos e os políticos. Essa relação nunca mais será a mesma, porque o que se coloca na Operação Lava Jato é o desvendamento de uma relação espúria que existia quando o setor privado financiava políticos e partidos para obter vantagens no fornecimento de serviços e produtos para o governo e empresas estatais, e também ter acesso privilegiado ao sistema financeiro estatal brasileiro. Esse modelo caracterizava o nosso capitalismo tupiniquim e ele morreu por conta da Operação Lava Jato. Evidente que não serão transformações imediatas ou totais, mas parte significativa desse relacionamento mudou e mudará de forma radical de agora em diante por conta da Lava Jato.
Já que mudou tanto, de que forma as empresas devem se aproximar mais do governo e se beneficiar disso de forma diferente a partir de agora?
O que deve acontecer é o seguinte: pode parecer paradoxal, mas as empresas devem fazer lobby, mas o lobby descente, honesto. A defesa de interesses sem corrupção, sem suborno, sem tráfico de influências. Porque tudo o que aconteceu e gerou a Operação Lava Jato não foi lobby, foi corrupção mesmo. Foi roubo. E isso precisa ficar bem claro. O que as empresas têm que fazer é atuar de forma transparente na defesa de seus interesses. Agora, o que também tem que acontecer é o governo ser mais transparente, porque a opacidade gera o tráfico de influência, a venda de facilidades e o ambiente de dificuldades.
Quanto ao grau de investimento, passado esse período de instabilidade política, quando o Brasil deve reconquistar esse selo de bom pagador e quando as empresas vão voltar a se beneficiar disso?
Olha, eu não acho que vai acontecer a curtíssimo prazo. Vejo que é um processo gradual, que dependerá, sobretudo, do alcance das metas fiscais que estão sendo colocadas em discussão no Congresso para este ano e para o próximo. As agências são muito radicais nessa questão do selo de bom pagador frente às condições fiscais do país. Enquanto o Brasil não mostrar um real comprometimento na redução da dívida pública, apontando para essa redução de forma consistente, nós não vamos retomar o grau de investimento. Fica evidenciado que hoje as empresas estão mostrando ao governo o quão importante era manter o selo de bom pagador. Infelizmente, o governo Dilma tratou essa questão com pouca relevância. Tanto é que na época que nós sofremos o primeiro rebaixamento, o ministro Nelson Barbosa avisou aos outros ministros que não era o fim do mundo porque afinal nós tínhamos vivido uma situação muito pior no passado, o que era uma justificativa totalmente canhestra. Conseguimos melhorar, no mínimo não podíamos piorar. E o governo passado foi incapaz disso. Acredito que nós, a curto e médio prazo, iremos empreender uma nova caminhada, voltando a merecer maior confiança.
Fonte: Correio
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