‘Super ninhada’: 700 filhotes de tartarugas nascem em Ilhéus

Lotadas de filhotes de tartarugas recém-nascidos. Foi assim que cinco praias do litoral norte de Ilhéus amanheceram no último domingo (9). Ao todo, 700 tartarugas mirins faziam a tradicional caminhada entre seus ninhos e o mar ao longo do dia por lá. Destas, 592 eram tartarugas-de-pente e 108 eram tartarugas cabeçuda, espécie que até é corriqueira na região, mas não costuma dar as caras nessa época. De acordo com informações do projeto (A)mar, que monitora e preserva animais marinhos no sul da Bahia e encontrou a ninhada, não há registro anterior de nascimento da espécie em maio, pelo menos, nos últimos 15 anos. Isso porque as cabeçudas nascem, no mais tardar e em raras situações, no início de abril.

“Essa mudança no período de desova pode representar uma ampliação para essa espécie devido à mudança climática nessa região. Parabenizo o projeto Amar pelo trabalho que realizam monitorando a vida marinha nestas praias.” Júnior Borges

Um nascimento que, para o projeto, pode indicar a ampliação do ciclo reprodutivo da espécie. Wellington Laudano, médico veterinário e coordenador de campo do projeto (A)mar, que monitora 240 km de litoral entre Maraú e Canavieiras, afirma que o acontecimento é uma alteração no que se costuma ver no ciclo das cabeçudas. “Ela é uma espécie que sempre desova na área que a gente observa, mas o nascimento não ocorre depois de março. No máximo, acontece no começo de abril. O nosso projeto, que tem seis anos, nunca viu nada assim e outros projetos, que têm 15 anos de existência, também não viram acontecer nascimentos de cabeçudas nesse mês”, relata.

Calor para reproduzir
Como Laundano explica, as tartarugas têm reprodução sazonal e o período em que sobem para areia para se reproduzir é, normalmente, o mais quente. Segundo o (A)mar, podem existir vários fatores que influenciem na ampliação do ciclo e no aparecimento em maio, mas o que mais é cogitado por eles é a mudança climática que fez com que meses de temperatura mais amena passassem a ter períodos tão quentes quanto no verão, época de ouro para a espécie desovar na areia. 

Laudano diz que o nascimento surpreendeu já que não é de característica desse tipo de tartaruga e aponta o calor como o motivo cogitado pelo projeto para que isso aconteça  “Nos últimos anos, a gente tem percebido uma mudança no ciclo de nascimento na região. O que provavelmente mais influencia nisso são as mudanças climáticas. O aumento da temperatura alonga o ciclo reprodutivo das tartarugas, que preferem se reproduzir em temperaturas mais quentes, o que tem acontecido também no outono por aqui”, conta.

Tartarugas nasceram em praias do litoral norte de Ilhéus
(Foto: Reprodução/Projeto (A)mar)

Para Paulo Lara, biólogo da Fundação Projeto Tamar, o evento até pode ser fruto do aumento do calor, mas é necessário um período maior para que a hipótese se torne conclusão. “É preciso ter uma série de dados de, pelo menos, três décadas para afirmar isso. Essa é uma variação que pode acontecer naturalmente. A tartaruga poderia estar apta para desovar mais vezes e ficado um pouco mais, o que aumentaria a temporada. Agora, a temperatura pode ser um fator nesse aumento sim, mas só uma amostragem maior poderia dar uma certeza”, alerta.

Tempo de vida
A ampliação do ciclo reprodutivo e o nascimento de mais filhotes da espécie pode parecer uma notícia positiva à primeira vista, mas pode não ser garantida. Laudano declara que a menor durabilidade dos animais é imaginável devido ao tamanho do desgaste que a espécie tem a cada ninhada que desova no mar. “Não dá pra saber se a extensão do período em que se reproduzem é positiva. Porque, se por um lado, elas trazem mais tartarugas para o mundo, por outro, as mães fazem um esforço maior do que é comum porque, como toda a espécie, as tartarugas passam por um desgaste para se reproduzir e isso pode reduzir o tempo de vida”, salienta.

O coordenador do (A)mar diz ainda que a ampliação pode ter efeito no número de ovos colocados pela espécie. “E, quando se amplia o número de ciclos, pode ser que ela tenha ninhadas menores. Então, ela pode fazer o processo de subir para pôr os ovos mais vezes, o que pode desgastar o animal e reduzir o número da ninhada. Por exemplo, no caso da tartaruga cabeçuda, normalmente, coloca 120 ovos e temos nesse nascimento 108, o que já é uma redução”, conclui.

Laudano cogita que o aumento na reprodução possa diminuir número de filhotes em ninhadas
(Foto: Reprodução/Projeto (A)mar)

Sobre isso, Lara diverge do que é dito por Laudano. Segundo ele, a ampliação não tem impacto na expectativa de vida da espécie. “A tartaruga vem quando está apta para desovar. Ela se alimenta e só vem quando está preparada para aguentar o tranco. Então, se ela está apta e se ajusta para fazer isso, o processo de reprodução não resulta em uma redução na vida dela. Quando o período de reprodução aumenta, elas podem estar aumentando o número de desovamentos porque estão ainda mais aptas pra isso. Como disse, há uma variação muito grande”, afirma.

Em 2020, contando as espécies de tartarugas que desovam na região observada pelo (A)mar – oliva, pente, cabeçuda, verde e de couro – o projeto registrou 75 mil filhotes nascidos, número que dobrou em relação a 2019, quando nasceram 30 mil. Mesmo com a chegada inesperada dos filhotes, para 2021, a expectativa é que esse número caia. É que a variação é comum já que existem temporadas melhores que outras pelo fato de que, quando uma tartaruga desova, ela só volta a fazer isso dois anos depois. Então, existem anos em que há mais tartarugas reproduzindo do que outros, o que gera uma variação de natalidade natural.

Fonte: Jornal Correio

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